terça-feira, 17 de novembro de 2015

REORGANIZAR PARA CONQUISTAR

REORGANIZAR PARA CONQUISTAR

A divisão das escolas em ciclos não é uma medida pedagógica, mas sim econômica.



Parafraseando a famosa frase “Dividir para conquistar” é o que utilizaremos como apoio para começar nosso artigo desse mês. Quem não viu e ouviu falar da reorganização escolar proposta pelo Estado de São Paulo? Não acreditamos que haja alguém que não tivesse visto e ouvido. Mas, vamos ao que interessa –o estado de São Paulo, através da Secretaria da Educação lançou recentemente a mais nova versão de um plano antigo, dos idos de 95/96 da então secretária de educação Srª. Rose Neubauer, do governo Covas (PSDB). Na época, o arranjo feito incluía as famosas escolas padrão e nessas escolas professores (supostamente) teriam um salário melhor, o ensino teria um ganho pedagógico, etc. Bom, estamos em 2015 e olhando o passado vemos que isso não funcionou, pois a qualidade continua, senão a mesma, pior. Nosso governador resolve então reeditar, ou melhor, ressuscitar tal evento com a mesma verborragia antiga,de que haverá melhoria na qualidade do ensino. Só tem um detalhe, e para pior, não teremos ganhos salariais, aliás não tivemos e não teremos ganhos salariais no que pese à inflação acachapante que se descortina no horizonte primaveril desse nosso Brasil (poético não?). 



Ao separar as escolas em ciclos, independente do local em que se realiza, nos deparamos com certas incoerências com as quais nos preocupamos seriamente. Haverá melhoria na qualidade do ensino ao se fechar salas de aulas e até mesmo escolas inteiras? Na prática, nós professores sabemos que as salas estãosuperlotadas, apesar da secretaria jurar de pé junto que não. Só para relembrar, este ano gravamos um vídeo explicando a superlotação das salas de aula em São Paulo (https://youtu.be/23m9lt27Ed0). Outra questão que nos chama muito a atenção é para os cortes de verbas da Secretaria Estadual da Educação. Desde o final do ano passado que estamos vendo cortes em cima de cortes, ao ponto de as escolas não terem folha de sulfite, tinta para impressora e até papel higiênico nos banheiros. Enquanto isso, continuamos assistindo as obras superfaturadas, a aquisição de materiais com preços superfaturados e a má gestão do dinheiro público. São essas coisas que não conseguimos digerir, não sabemos se por falta de capacidade nossa ou por que nos faltam meios, dados, enfim, sabe-se lá. 

O fato é que fechar salas, não promover a valorização do profissional, entuchar alunos nas salas de aulas, não nos parece nada pedagogicamente correto apesar da insistente fala do secretário de governo Sr. Herman. Recentemente, no SPTV vimos uma reportagem, nitidamente encomendada pelos responsáveis por essas medidas, pois saltava aos olhos a preparação do que foi mostrado. Para ilustrar melhor vamos voltar um pouco nas notícias desse mesmo canal de TV e de outras emissoras.

Pois bem, até então eles vinham mostrando o descontentamento das famílias com a tal reestruturação. Foram várias reportagens e isso não é bom para o governo, pois colocam em cheque essas decisões e acirram as pessoas contra. De repente, fazem outra reportagem, desta vez com uma família extremamente contente com a modificação, que almoça diariamente no restaurante (evidenciando a família típica dos nossos alunos, só que não), e apresentando uma escola que está totalmente preparada para atender este único ciclo (ciclo I na reportagem). Desde quando a família comum, dessas que conhecemos tão bem, almoça em restaurante? Como assim? Nossos alunos vão com fome para a escola e muitos na esperança de ter uma refeição digna na escola, pois em casa muitos não têm o que comer! 

Desculpe caro leitor, mas para nós, isso se chama matéria paga. Obviamente que tal escola existe, mas não é regra, é exceção, e por que há exceção? Justamente para que se tenha algo útil para mostrar para imprensa, ou você acha que a reportagem escolheu uma escola aleatoriamente? Ademais, vale lembrar que conforme o próprio secretário disse em várias entrevistas, a obrigação do Ensino Fundamental I é do município e não do Estado. Por que então a reportagem se concentrou em uma escola de Ensino Fundamental I? Não nos preocupa o fato de se ter escolas de apenas ensino médio e ciclo I e II. Não, pois até é possível que haja uma melhoria na gestão dessas escolas e pedagogicamente poderá haver um pequeno ganho. Veja bem, dissemos “poderá” e não que de fato irá haver, pois o ganho pedagógico, que se refletirá nas avaliações externas, depende de muitos outros fatores que não estão sendo levados em conta. 

O que nos preocupa também é o fato desse enxugamento, leia-se redução de custos, refletir no pífio salário daqueles que trabalham nas escolas, visto que teremos professores afastados ou demitidos e superlotação de classes. Imagine que o professor da rede pública paulista que ganha algo em torno de R$ 13,00 para dar aula para 35 ou 40 alunos, estará ganhando o mesmo para lecionar para 45 ou 50 alunos (em algumas escolas os números são até superiores a esses). É o custo aluno tão famoso no PNE, pois o salário dos professores estaria atrelado a este custo. Ora bolas, se o custo subir automaticamente subiria o salário do professor, mas o inverso também é verdade, se o custo diminuir não tem como justificar o aumento de salário do professor e a relação salário/custo aluno se torna diferente. 

Vamos recorrer à matemática para entender melhor:

Se hoje temos uma relação (fictícia): Salário / Custo que poderíamos exemplificar como 10 /5= 2, então 2 é fator de proporcionalidade neste caso. Isso quer dizer que o salário é 2 vezes maior que o custo. Considere então uma diminuição no custo aluno de 5 para 2, daí a equação acima ficaria assim:

Salário / Custo igual 10 / 2,então o fator proporcionalidade é 5. 

Isso quer dizer que o salário ficará 5 vezes maior do que o custo aluno. Entendeu a jogada? Legalmente correto, porém imoral, vergonhoso. É isso que será dito a posteriori quando os professores reclamarem do salário. Agora, como o governo afirma que a “reorganização” é pedagógica, gostaríamos de levantar algumas questões:

O ensino por ciclos requer um acompanhamento sistemático sobre a evolução deste aluno. Pois bem, como se dará este acompanhamento sendo que o aluno vai mudar de escola constantemente? Em se tratando da passagem do ciclo II (4 anos) para o Ensino Médio (3 anos) não entendemos aonde está essa “melhoria pedagógica”. No que se refere ao ciclo I, realmente o Sr. Secretário tem razão. Os artigos 8, 9, 10 e 11 da Lei 9.394/1996 estabelecem as responsabilidades de cada sistema de ensino. De qualquer forma, no que se refere à Educação Infantil e ao ciclo I do Ensino Fundamental, o Estado deve trabalhar em regime de “colaboração”. Na prática, é outra coisa, é cada um por si e azar da população (salvo quando município e Estado são administrados pelo mesmo partido político, caso contrário, é um boicotando o outro). 

A população deve se apropriar deste debate. Os professores devem se apropriar deste debate. A “reorganização” não tem nenhum caráter pedagógico, já temos quase um mês em que essa “novidade” chegou à mídia e até agora não vimos necessariamente nenhuma análise séria sobre a separação das escolas de ciclo II e Médio (lembrando que ciclo I fica a cargo das prefeituras). Essa “reorganização” é econômica, e não pedagógica. Fica a recomendação para um vídeo em que discutimos este assunto https://youtu.be/2zoBIfmJYm0.

Omar de Camargo Professor em Química.
decamargo.omar@gmail.com

Ivan Claudio Guedes Geógrafo e Pedagogo.
ivanclaudioguedes@gmail.com


CAMARGO, O.; GUEDES, I.C. Reorganizar para conquistar: a divisão das escolas em ciclos não é uma medida pedagógica, mas sim econômica?. Gazeta Valeparaibana [Online] São José dos Campos, 01 nov. 2015. Educação. Disponível em http://gazetavaleparaibana.com/096.pdf Acesso em 17 nov. 2015.