ANALFABETISMO FUNCIONAL E A QUALIDADE DO ENSINO
Segundo dados do Instituto
Paulo Montenegro e da Ação Educativa, tivemos certo progresso no Alfabetismo
Funcional. Em 2001, 61% da população brasileira era alfabetizada
funcionalmente, ou seja, tínhamos 39% de analfabetos funcionais. Já em 2011 era
73% a quantidade de alfabetizados funcionais, consequentemente 27% ainda
amargavam à beira do alfabetismo funcional. Porém, isso de certa forma, ainda
não é um dado a ser comemorado, pois o próprio instituto nos dá o que é ser
alfabetizado e a escala de alfabetização, daí percebemos que ainda falta muito para sair da zona de
perigo.
Para entendermos melhor como
isso funciona o próprio Instituto nos dá uma orientação sobre cada estágio do
alfabetismo:
Analfabeto -
Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que
envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga
ler números familiares (números de telefone, preços etc.);
Rudimentar -
Corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos
e familiares (como um anúncio ou pequena carta), ler e escrever números usuais
e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de
pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica;
Básico - As pessoas
classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente alfabetizadas,
pois já leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações
mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências, leem números na casa
dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de operações e
têm noção de proporcionalidade. Mostram, no entanto, limitações quando as
operações requeridas envolvem maior número de elementos, etapas ou relações; e
Pleno - Classificadas
neste nível estão as pessoas cujas habilidades não mais impõem restrições para
compreender e interpretar textos em situações usuais: leem textos mais longos,
analisando e relacionando suas partes, comparam e avaliam informações, distinguem
fato de opinião, realizam inferências e sínteses. Quanto à matemática, resolvem
problemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais,
proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas de dupla entrada, mapas
e gráficos.
Ao lermos essa classificação vemos o quão é difícil sair
de uma fase de alfabetismo rudimentar para, por exemplo, alfabetismo pleno.
Onde é que estamos errando? Pois ao vermos esses
resultados e confrontamos com as declarações de um Ministro da Educação dizendo
ser vontade do governo enxugar o currículo do Ensino Médio, nós, enquanto
professores ficamos preocupados.
A título de ilustração citamos aqui um trecho do livro de
Armindo Moreira – Professor não é Educador - em que uma professora de língua
portuguesa defendia o uso de gírias, corruptelas e solecismos em sala de aula
como algo normal, pois no entender dessa professora, o uso da língua-padrão
nãos seria a única forma de alguém se expressar. Segue o trecho:
“Dizia professora: Devemos ensinar os alunos
a falarem como o povo fala. E prosseguiu: A gíria faz parte da linguagem do
povo, por isso devemos usá-la em sala de aula. E também os solecismos, como
nóis fumo, tu viu, treis milhão (...)são erros só para a classe dominante: para
o povo não é.
Fiz notar à professora que, para ela, a
palavra povo significava pessoa sem instrução. Ela concordou, mas não gostou.
(...) todo cidadão tinha o direito
sagrado de aprender a língua-padrão (...) não lhe reconhecer esse direito gera
desigualdades nocivas ao indivíduo e à sociedade. Lembrei que se a criança aprendesse
a língua-padrão, poderia mais facilmente melhorar de vida. Ela afirmou que
pobre sempre seria pobre, mesmo que instruído. Ela, simplesmente, disse que eu
estava errado. “Então, eu concluí que, poderíamos contratar a zeladora para
ministrar aulas de língua portuguesa – e a professora, com seu curso superior,
iria procurar outro emprego”.
Brilhante a conclusão do professor Armindo. Se seguirmos
a mesma linha de raciocínio também concluímos que o principal instrumento de
dominação dos dominantes, leia-se opressores, é o conhecimento, a instrução.
Então, para que os oprimidos se libertem e mudem esse jogo é necessário
ensinar-lhes a língua-padrão, caso contrário iremos mantê-los sob o jugo das
classes dominantes, sem chances de progresso na vida profissional.
Quando perguntamos: Qual o objetivo da escola? Temos como resposta: - Educar para a vida.
Que vida? Uma vida de pobreza? Sem condições de alçar um voo mais alto?
Ao analisarmos os dados apresentados pelo Instituto Paulo
Montenegro verificamos que a porcentagem de alfabetizados Plenos praticamente
não mudou em dez anos de pesquisa, ficando em torno de 25%. Portanto, temos 75%
da população entre os níveis Analfabeto, Rudimentar e Básico. Isso não é
suficiente para um país, como o nosso, aspirar grandes voos, haja vista o Ideb,
recentemente publicado.
Não conseguimos melhorar nossos indicadores e, talvez,
seja esse relaxamento no ensino de língua portuguesa e matemática nosso grande
entrave. Cabe dizer aqui que na matemática também temos aqueles que acham que
basta aprender as quatro operações básicas, pois como disse a professora do exemplo:
“pobre será sempre pobre, instruído ou não”. Um grande erro sem dúvida. E
voltamos à nossa eterna dúvida: - A quem interessa um ensino sem qualidade?
Recentemente, na prova de redação do Enem 2014 ocorreu um
fiasco sensacional, porém trágico. Mais de 500 mil alunos zeraram a prova de
redação e apenas 250 conseguiram nota máxima, 248 mil foram anuladas por não
obedecerem ao tema proposto, isso num universo de 6 milhões de estudantes. A
mediocridade impera no meio estudantil, nossos alunos não sabem ler, falar e
muito menos escrever a língua padrão.
Do total de alunos, apenas 250 são alfabetizados plenos e
terão alguma chance durante a vida profissional outros são, como dizemos na
gíria “meia boca”. A grande maioria, no entanto, podemos considerar como
analfabetos funcionais e irão girar em torno, como satélites, ou como moscas em
torno do doce, sem porém nunca prová-lo de fato. Não há remédio para isso, o
mal está feito.
Os empregadores terão que arcar com o custo disso e a
sociedade irá amargar os efeitos dessas políticas desastradas e inconsequentes.
O país ficará patinando, como um carro no lamaçal, gastando seus recursos sem
sair do lugar. Enquanto a educação for considerada política partidária e não
como política de estado esses serão os resultados. Enquanto isso, “nóis fumo,
agente vamos, menas” e outras desgraças mais continuarão a povoar o mundo
desencantado dos jovens. Não
bastasse esse desalento, ainda temos professores que falando e escrevendo
erradamente tal qual o aluno, querem se igualar por baixo, na tentativa de ser “bonzinho”,
quando na verdade deveriam estar um patamar acima, exigindo que escrevessem
corretamente, lessem corretamente, buscando o melhor para eles, fazendo com que
adquiram vocabulário para poderem expressar suas ideias. Só assim, finalmente,
teremos condições de sairmos da condição de país subdesenvolvido.
Referencias:
Instituto Paulo
Montenegro e Ação Educativa mostram evolução do alfabetismo funcional na última
década. Disponível em:
Moreira,
A. Professor não é Educador. Charqueadas:
Profeduc, 2012.
Omar de Camargo
Técnico Químico
Professor em Química
decamargo.omar@gmail.com
Ivan Claudio Guedes
Geógrafo e Pedagogo
ivanclaudioguedes@gmail.com
Referência para este artigo.
CAMARGO, O.; GUEDES, I.C. Analfabetismo funcional e qualidade do ensino. Gazeta Valeparaibana [online], São José dos Campos, 01 fev. 2015. Espaço Educação. Disponível em: http://gazetavaleparaibana.com/087.pdf Acesso em 21 fev. 2015.