REORGANIZAR PARA CONQUISTAR
A divisão das escolas em ciclos não é uma medida pedagógica, mas sim econômica.
Parafraseando a famosa frase “Dividir para
conquistar” é o que utilizaremos como apoio
para começar nosso artigo desse mês. Quem
não viu e ouviu falar da reorganização escolar
proposta pelo Estado de São Paulo? Não acreditamos
que haja alguém que não tivesse visto
e ouvido. Mas, vamos ao que interessa –o estado
de São Paulo, através da Secretaria da
Educação lançou recentemente a mais nova
versão de um plano antigo, dos idos de 95/96
da então secretária de educação Srª. Rose
Neubauer, do governo Covas (PSDB). Na época,
o arranjo feito incluía as famosas escolas
padrão e nessas escolas professores
(supostamente) teriam um salário melhor, o
ensino teria um ganho pedagógico, etc. Bom,
estamos em 2015 e olhando o passado vemos
que isso não funcionou, pois a qualidade continua,
senão a mesma, pior. Nosso governador
resolve então reeditar, ou melhor, ressuscitar
tal evento com a mesma verborragia antiga,de
que haverá melhoria na qualidade do ensino.
Só tem um detalhe, e para pior, não teremos
ganhos salariais, aliás não tivemos e não teremos
ganhos salariais no que pese à inflação
acachapante que se descortina no horizonte
primaveril desse nosso Brasil (poético não?).
Ao separar as escolas em ciclos, independente
do local em que se realiza, nos deparamos
com certas incoerências com as quais nos
preocupamos seriamente. Haverá melhoria na
qualidade do ensino ao se fechar salas de aulas
e até mesmo escolas inteiras? Na prática,
nós professores sabemos que as salas estãosuperlotadas, apesar da secretaria jurar de pé
junto que não. Só para relembrar, este ano
gravamos um vídeo explicando a superlotação
das salas de aula em São Paulo (https://youtu.be/23m9lt27Ed0).
Outra questão que nos chama muito a atenção
é para os cortes de verbas da Secretaria Estadual
da Educação. Desde o final do ano passado
que estamos vendo cortes em cima de
cortes, ao ponto de as escolas não terem folha
de sulfite, tinta para impressora e até papel
higiênico nos banheiros. Enquanto isso, continuamos
assistindo as obras superfaturadas, a
aquisição de materiais com preços superfaturados
e a má gestão do dinheiro público.
São essas coisas que não conseguimos digerir,
não sabemos se por falta de capacidade
nossa ou por que nos faltam meios, dados,
enfim, sabe-se lá.
O fato é que fechar salas,
não promover a valorização do profissional,
entuchar alunos nas salas de aulas, não nos
parece nada pedagogicamente correto apesar
da insistente fala do secretário de governo Sr.
Herman.
Recentemente, no SPTV vimos uma reportagem,
nitidamente encomendada pelos responsáveis
por essas medidas, pois saltava aos
olhos a preparação do que foi mostrado. Para
ilustrar melhor vamos voltar um pouco nas notícias
desse mesmo canal de TV e de outras
emissoras.
Pois bem, até então eles vinham
mostrando o descontentamento das famílias
com a tal reestruturação. Foram várias reportagens
e isso não é bom para o governo, pois
colocam em cheque essas decisões e acirram
as pessoas contra. De repente, fazem outra
reportagem, desta vez com uma família extremamente
contente com a modificação, que
almoça diariamente no restaurante
(evidenciando a família típica dos nossos alunos,
só que não), e apresentando uma escola
que está totalmente preparada para atender
este único ciclo (ciclo I na reportagem). Desde
quando a família comum, dessas que conhecemos
tão bem, almoça em restaurante? Como
assim? Nossos alunos vão com fome para
a escola e muitos na esperança de ter uma
refeição digna na escola, pois em casa muitos
não têm o que comer!
Desculpe caro leitor,
mas para nós, isso se chama matéria paga.
Obviamente que tal escola existe, mas não é
regra, é exceção, e por que há exceção? Justamente
para que se tenha algo útil para mostrar
para imprensa, ou você acha que a reportagem
escolheu uma escola aleatoriamente?
Ademais, vale lembrar que conforme o próprio
secretário disse em várias entrevistas, a obrigação
do Ensino Fundamental I é do município e não do Estado. Por que então a reportagem
se concentrou em uma escola de Ensino
Fundamental I?
Não nos preocupa o fato de se ter escolas de
apenas ensino médio e ciclo I e II. Não, pois
até é possível que haja uma melhoria na gestão
dessas escolas e pedagogicamente poderá
haver um pequeno ganho. Veja bem, dissemos
“poderá” e não que de fato irá haver, pois
o ganho pedagógico, que se refletirá nas avaliações
externas, depende de muitos outros fatores
que não estão sendo levados em conta.
O que nos preocupa também é o fato desse
enxugamento, leia-se redução de custos, refletir
no pífio salário daqueles que trabalham nas
escolas, visto que teremos professores afastados
ou demitidos e superlotação de classes.
Imagine que o professor da rede pública paulista
que ganha algo em torno de R$ 13,00 para
dar aula para 35 ou 40 alunos, estará ganhando
o mesmo para lecionar para 45 ou 50
alunos (em algumas escolas os números são
até superiores a esses). É o custo aluno
tão famoso no PNE, pois o salário dos professores
estaria atrelado a este custo. Ora bolas,
se o custo subir automaticamente subiria o salário
do professor, mas o inverso também é
verdade, se o custo diminuir não tem como
justificar o aumento de salário do professor e a
relação salário/custo aluno se torna diferente.
Vamos recorrer à matemática para entender
melhor:
Se hoje temos uma relação (fictícia):
Salário / Custo que poderíamos exemplificar
como 10 /5= 2, então 2 é fator de proporcionalidade
neste caso.
Isso quer dizer que o salário é 2 vezes maior
que o custo.
Considere então uma diminuição no custo aluno
de 5 para 2, daí a equação acima ficaria
assim:
Salário / Custo igual 10 / 2,então o fator
proporcionalidade é 5.
Isso quer dizer que o
salário ficará 5 vezes maior do que o custo aluno.
Entendeu a jogada? Legalmente correto, porém
imoral, vergonhoso. É isso que será dito a
posteriori quando os professores reclamarem
do salário.
Agora, como o governo afirma que a
“reorganização” é pedagógica, gostaríamos de
levantar algumas questões:
O ensino por ciclos
requer um acompanhamento sistemático
sobre a evolução deste aluno. Pois bem, como
se dará este acompanhamento sendo que o
aluno vai mudar de escola constantemente?
Em se tratando da passagem do ciclo II (4 anos)
para o Ensino Médio (3 anos) não entendemos
aonde está essa “melhoria pedagógica”.
No que se refere ao ciclo I, realmente o
Sr. Secretário tem razão. Os artigos 8, 9, 10 e
11 da Lei 9.394/1996 estabelecem as responsabilidades
de cada sistema de ensino. De
qualquer forma, no que se refere à Educação
Infantil e ao ciclo I do Ensino Fundamental, o
Estado deve trabalhar em regime de
“colaboração”. Na prática, é outra coisa, é cada
um por si e azar da população (salvo quando
município e Estado são administrados pelo
mesmo partido político, caso contrário, é um
boicotando o outro).
A população deve se apropriar deste debate.
Os professores devem se apropriar deste debate.
A “reorganização” não tem nenhum caráter pedagógico, já temos quase um mês em
que essa “novidade” chegou à mídia e até agora
não vimos necessariamente nenhuma
análise séria sobre a separação das escolas
de ciclo II e Médio (lembrando que ciclo I fica a
cargo das prefeituras). Essa “reorganização” é
econômica, e não pedagógica. Fica a recomendação
para um vídeo em que discutimos
este assunto https://youtu.be/2zoBIfmJYm0.
decamargo.omar@gmail.com
Ivan Claudio Guedes Geógrafo e Pedagogo.
ivanclaudioguedes@gmail.com
CAMARGO, O.; GUEDES, I.C. Reorganizar para conquistar: a divisão das escolas em ciclos não é uma medida pedagógica, mas sim econômica?. Gazeta Valeparaibana [Online] São José dos Campos, 01 nov. 2015. Educação. Disponível em http://gazetavaleparaibana.com/096.pdf Acesso em 17 nov. 2015.